Ministra do Esporte diz que “os atletas vivem em uma bolha, pois falta formação cidadã”
Primeira mulher a assumir o ministério do Esporte, Ana Moser olha para além do alto rendimento. Ex-jogadora de vôlei com um histórico de envolvimento em projetos sociais, a ministra tem como principal missão na pasta diminuir a desigualdade no acesso à prática esportiva no País e implementar uma política de esporte para todos.
“O grande diferencial que nós estamos trazendo com esse governo é a intenção de chegar e fazer o que não foi feito antes. Para chegar lá, tem que buscar diferentes caminhos, fazer coisas diferentes”, diz a ministra, que falou com o Estadão na sede do Instituto Esporte e Educação, organização que mantém há mais de 20 anos. Também comentou sobre a discussão da regulamentação das apostas esportivas, do desejo de o Brasil ser sede da Copa do Mundo feminina em 2027 e de sua controversa fala relacionada aos esportes eletrônicos, que não considera esporte, mas admite ser um “fenômeno amplo”.
1) O que a senhora destaca do que foi feito nesses primeiros meses à frente da pasta do Esporte?
A primeira questão é o Bolsa Atleta, o edital que foi lançado, o projeto Lei do Bolsa Atleta para grávidas e gestantes. A questão do decreto da estratégia do futebol feminino. Entregamos cerca de 35 obras atrasadas, liberamos uma série de recursos atrasados. Fizemos uma articulação com todos os setores esportivos e estamos – só que não vai ser em 100 dias – reorganizando o Conselho Nacional de Esporte.
2) A verba de que o ministério dispõe é suficiente para os projetos esportivos que quer tirar do papel?
Sozinho não. Tem que ter parceiros pesados como (os ministérios de) Educação e Saúde e parceiros na sociedade civil. Mas é um setor que tem um acúmulo de construção muito grande e boa parte desse acúmulo nunca foi implantado. Então há um potencial de engajamento de toda essa comunidade que, durante os últimos 10, 15 anos, construiu isso e que vê agora uma janela de oportunidade para botar em prática. Esse esporte é para todos, para 95% da população que não está engajada na competição. É para além do alto rendimento.
3) O edital do Bolsa Atleta, programa carro-chefe do ministério, foi lançado neste ano sem reajuste. Haverá aumento?
Vai, mas não deu agora porque precisava relançar. É também questão de orçamento. É meta nossa buscar esse reajuste.
4) Como estão as discussões sobre a possibilidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo Feminina de 2027?
Super no começo. Maio é o prazo para manifestação da intenção e daí vem o caderno de encargos. Sei que a escolha é só ano que vem. Esse foi o cronograma que semana passada foi encaminhado pela Fifa. É a coroação de um processo e esse é um processo de fortalecimento do futebol feminino no Brasil. Para que alguém tenha o número de times, o número de campeonatos, de premiação, centros de treinamento, estratégias de treinamentos… A questão da proteção contra assédio, licença maternidade, a relação de frequentar os estádios para serem mais amigáveis para mulheres e crianças. Tem todas essas estratégias. Tem toda uma gama de envolvimentos para desenhar metas que nós queremos chegar. Esse é o grande conteúdo que dá base para essa candidatura.
5) A sua fala de que esportes eletrônicos não são esporte reverberou muito na comunidade gamer. Você mantém sua posição?
Nós estamos discutindo isso no âmbito do governo intersetorial porque é um fenômeno amplo. O que acontece é que muitas vezes até o meio esportivo pouco fala a respeito, não se posiciona tanto. Às vezes o setor esportivo tem uma visão diferente. O setor game, né? Então isso vira, de repente, uma surpresa. E tem questões trabalhistas, implicações com o turismo, porque é um entretenimento, é uma indústria. Tem questões tributárias, tem uma série de envolvimentos.
6) Temos visto atletas fazendo declarações consideradas homofóbicas e violentas. Foi o caso do Maurício Souza e do Wallace de Souza. Como blindar o esporte da prática discriminatória e do discurso de ódio?
Na verdade, acho que quanto mais manifestações esportivas na sociedade, mais vamos diversificar e democratizar o esporte de uma maneira geral. Essa comunidade esportiva de onde saem Wallaces e Maurícios precisa de uma educação cidadã melhor. A vida do atleta sempre é uma bolha. É comer, dormir, treinar e jogar. Tudo gira em torno de rendimento.
7) É por causa dessa bolha que a maioria dos atletas não se posiciona e não se engaja politicamente?
É por causa dessa bolha que muitos não se educam como cidadãos. Falta muito de uma formação cidadã e conectada com a realidade. Isso é um desenho que é assim em diferentes modalidades, diferentes formatos. O vôlei é muito assim porque compete o ano inteiro. Ou está no clube ou está na seleção. As outras modalidades são mais soltas.